segunda-feira, 4 de abril de 2022

terça-feira, 7 de julho de 2020

A doença infantil do mundo digital, segundo Lalau. (Cap. III - Reflexões sobre as mudanças atuais)


Silenciosa e surpreendente e, talvez, pela primeira vez desde a chegada dos portugueses, a véspera de São João de 2020 não teve fogueiras ou fogos para os sergipanos. O que para a maioria das pessoas foi apenas uma triste novidade, para Faustino que rodou de carro por Aracaju e pela zona rural de São Cristóvão, sem ver uma fogueira sequer, foi arrasador. Impactado, porque no fundo, apesar da pandemia, ele nutria a esperança de que “havia linguiça por debaixo do feijão” (como diria Stanislaw Ponte Preta ou Lalau, inspirador deste capítulo), e assim, ver o povo feliz comemorando sua festa mais tradicional.

“Numa melancolia de pinguim no Piauí”, as recordações vivas e doloridas de outro São João invadiram sua cabeça branca, porque aos 7 anos de idade, o pequeno Faustino também não viu a festa junina devido a uma catapora tratada pelo Dr. Chagas, o melhor pediatra da década de 1960.

Àquela altura, com limitadas vacinações, os médicos faziam diagnósticos clínicos sem exames de laboratórios. Então, competentes pediatras viam as doenças infantis atuarem sobre as crianças de forma benigna, como aceleradores do desenvolvimento. Segundo essa visão, tais doenças promovem rápidos avanços da individualidade (reconhecimento do EU) em conflito com a hereditariedade (matéria herdada) no corpo das crianças. Em outras palavras, a doença infantil é a crise da perda da importância do passado sobre o futuro, porque “ninguém se conforma de já ter sido”. Com Faustino, obviamente, não foi diferente, até porque ganhou um novo tom de voz, bem mais encarnado, uma vez curado dessa marcante catapora junina.

Com base nessa imagem, façamos uma metáfora com o desenvolvimento do universo digital neste momento. A pandemia do coronavírus e seu isolamento social esfriou o mundo real e inflamou o digital. ”Só levanto o olho da máquina de escrever para botar colírio”, digo do celular, em uma imersão compulsória nas redes digitais para garantir o home office ou até os, agora essenciais, serviços delivery. Não resta dúvida de que, com esses novos hábitos, o mundo não mais será o mesmo: será bem mais digital, automatizado e rastreado.

“Antes só que muito acompanhado”. A experiência do afastamento social criará um ‘novo normal’, no qual o digital terá uma participação maior e irreversível na vida de todos. A humanidade vivencia uma transformação digital forçada que demoraria muito tempo em um transcurso normal. Parafraseando JK, avançamos 50 anos em 5 (meses). Temos a sensação que fomos invadidos pelo futuro, sem perdão.

No ambiente da Educação “ficou a impressão que o meu anjo da guarda está gozando licença-prêmio” – refletiu Faustino. Nele ocorre uma verdadeira revolução, quando todos viraram alunos, sejam professores, diretores, pedagogos ou alunos mesmos. Mas, isso é muito saudável, pois o que faz um jovem ter gosto pelo estudo é ver o adulto, e o próprio professor estudando e desenvolvendo novas habilidades. Educação é vida. Educação é transformação. Contudo, a desigualdade cresceu e, portanto, a nível de política pública, para mais equidade entre alunos de variadas classes sociais e econômicas, faz-se urgente assegurar acesso à internet para todos, em especial nos sítios de conteúdos educacionais.

“Quem não tem quiabo não oferece caruru” - Considerando a internet como serviço essencial, necessitamos superar as limitações de acesso que atingem grande parcela da população. Acesso gratuito aos sítios .gov é o que propõe Projeto de Lei do Deputado Federal Laércio Oliveira (PP-SE): ‘Afinal, se os endereços .gov da internet são públicos, tal como as ruas e as repartições, logo todos devem ter acesso livre e gratuito’ – defende o atuante parlamentar.

Prever o futuro próximo, segundo Faustino, está ficando “mais monótono que itinerário de elevador”. Como quem foi sequestrado pelo futuro, ele projeta com pouco risco de errar: Muitas empresas praticarão home office permanentemente. Os negócios digitais entrarão na rotina das pessoas com intensidade. A mobilidade será repensada, as aglomerações serão evitadas, isolamento será sinônimo de qualidade de vida e status. O turismo será revisado e os eventos culturais também. Uma nova cultura nascerá global, bem mais digital. As pessoas viajarão mais de carro e buscarão morar melhor. Vamos nos cuidar mais e entender que “uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão”.

“Não sei se é verdade, nunca fui chinês” - Para Faustino, a atual pandemia age sobre o reino digital como uma doença infantil aceleradora, dessas que traz o futuro para o colo. Dá um salto! Por coincidência ou não, “cruzam cabra com periscópio pra ver se conseguem um bode expiatório”, já que esse coronavírus, lançado no mesmo local do 5G, em Wuhan, na China, fará a criatura digital sair brevemente da infância para ingressar em conturbada adolescência. “Mas isto ainda não está na hora de contar”. Se prepare!



quinta-feira, 11 de junho de 2020

Pandemia: Sertão é quando menos se espera. (Cap. II - Reflexões sobre as mudanças atuais)


O cheiro de um bom livro de cabeceira, umas páginas viciadas de tanto abrir e as anotações à tinta ou grafite destacando cada surpresa proporcionada pelo autor é uma viagem emocionante pela consciência do leitor. Simplesmente gratificante.

Para nosso amigo Faustino, rosiano de carteirinha, Grande Sertão: Veredas, é esse o livro de cabeceira. Guimarães Rosa o escreveu como um poema e ao ser lido, torna-se poesia, reafirmando que “um sentir é do sentente, o outro é do sentidor”. A todos deve inspirar fazer recortes da sabedoria de Riobaldo e outros personagens, como a seguir, para o cotidiano brasileiro, principalmente na crise sanitária e econômica dos nossos dias. 
    
“Viver é muito perigoso” - Introspectivo, Faustino reflete sobre a epidemia do momento: como um ente majestoso, digno de coroa ou corona (em espanhol), o vírus da Covid-19 chegou ao mundo como inédita ameaça ao modo humano de viver. Contudo, trata-se de uma coroa das trevas dado o horror a luz solar e ao seu poder maligno. Agindo sempre na sombra, o coronavírus, ao infectar, potencializa doenças pré-existentes que podem levar pobres pacientes a óbito.  Assim, como um perverso animador de enfermidades já instaladas, o vírus atua por trás da cena como um mau figurante que faz do protagonista uma montaria. Conclui: “cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito”.

“O sertão está em toda parte” - E sobre os não doentes, Faustino? Curiosamente, esse vírus diabólico atua também sobre a alma dos não infectados com semelhante manobra, potencializando as patologias psicológicas ou sociais pré-existentes, sem perdão. Relativamente, nos ensina Riobaldo: “Deus existe mesmo quando não há. Mas o diabo não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo”.

“Sertão: é dentro da gente” - Mesmo onde o vírus não existe, ele se faz presente pela mente das pessoas. Como “o espírito da gente é cavalo que escolhe estrada”, dentre muitos saudáveis vemos o clima de medo, o pânico plantado, o oportunismo, a politização mesquinha, as postagens intolerantes nas redes sociais, a busca por privilégios impróprios e outros casos mais. Parece que removeram o verniz que insistia em camuflar alguns comportamentos.

“Viver é um descuido prosseguido” - Para Faustino, os determinantes epidemiológicos recomendam que não se deve por uma máscara sobre outra. Por metáfora, a partir da hora que fomos obrigados a colocar as máscaras de proteção tivemos que retirar outras que por ventura usávamos: não há dúvida de que os rostos se tornaram visíveis. Impossível esconder, ainda que os atores não percebam o quanto ficaram expostos, descuidados – O rei está nu!

“O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia” - Políticos inescrupulosos se revelam como nunca. Traidores dão bandeira. Escancarou a grande mídia as suas reais intenções. Outros implantam pânico explícito. Alguns, em confortável ‘isolamento horizontal’, defendem essa tese para todos, cegos da realidade dos que vivem sempre aglomerados. A politicagem grassa sob mensagens humanizadas. Uma pseudociência surge utilitária e vacila sobre a verdade em citações divergentes. Para alguns ainda, a fome ou o desemprego virou sinônimo de ganância e a saúde pública se reduziu a uma só doença. Há ainda mentes escravas de ideologias, mais orgulhosas que nunca de suas brilhantes soluções inexequíveis.  Tolas polarizações que estão na moda respaldam interesses antes escusos, mas agora tão acesos e identificáveis como luminosos de redes mundiais de fast food.

“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho” - Se obviamente, a pandemia é mundial, o parágrafo acima pode ser aplicado a qualquer lugar do planeta. Mas, infelizmente, o Brasil vive uma imaturidade institucional sem precedentes, praticando atos destrutivos em larga escala e muito blá-blá-blá. Para mudarmos isso: deixe a discussão para depois, faça sua parte discretamente e cresça, porque “o que é o silêncio é? É a gente mesmo, demais”. Então comece, pois, “passarinho que debruça – o voo já está pronto”.

“Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto” - Defensor de um pacto nacional, o estadista Faustino, inconformado com tanta perda de energia e de foco diante da grave crise nacional, pede desculpas aos leitores pelo tom de desabafo. Mas otimista por natureza, crê que com a queda das personas, como no teatro grego, um novo palco se inaugura no nosso país, no qual a verdadeira face dos atores aparecerá. Embora “a natureza da gente não cabe em nenhuma certeza”, podemos estar frente a uma oportuna reinvenção maniqueísta brasileira em que até a sombra trará a luz. Por que não? “Sertão é quando menos se espera”.




sexta-feira, 5 de junho de 2020

O virúvio (Cap. I - Reflexões sobre as mudanças atuais)

No final da década de 1970, Faustino, estudava engenharia em uma jovem Universidade próxima ao Batistão, em Aracaju. Pela proximidade e comodidade, foi morar na rua Cedro – continuação, s/nº. O curioso endereço se devia ao fato que a rua terminava por causa de um canal que a atravessa ainda hoje, e “continuava” do outro lado sem ponte para os autos. Apenas a pé se chegava em casa. Ele, adaptado como um caranguejo, seguia pisando na lama fartamente hidratada pela chuva e pelas marés, exercendo seu direito de ir e vir.

Viver em um endereço sujeito as marés e trovoadas, fez do atual avô coruja Faustino, hoje aposentado, um “cobra” em dilúvios. Sem sobressaltos, ele viu as águas de março fecharem o verão de 2020. Como todos os anos, alagando os locais de sempre, mesmo já asfaltados.

Fera no assunto, nosso expert acreditava saber tudo sobre inundações até que... Os ares de março, encharcados por um vírus, portaram um invasor tão novato quanto ameaçador para nós humanos, o novo coronavírus, causador da covid-19. Com sua memória de elefante, Faustino ensina que nada, nem ninguém jamais conseguiu parar todo o mundo como esse vírus, exceto o emblemático Dilúvio bíblico. Pois, como cita o Primeiro Livro, o aguaceiro torrencial pôs todas as terras submersas (não só a continuação da rua Cedro), permitindo escapar apenas o obstinado Noé, seus familiares e casais de animais na providencial arca.

Menos catastrófica, a inundação virulenta dos nossos dias atingiu apenas os humanos e suas diversas atividades. Comandada pela cigarra do famoso conto, festeja a poupada natureza, como a demonstrar quão ameaçada estava por nós - predadores implacáveis; e refém de um modelo de desenvolvimento insustentável.

Com a economia curta como um coice de preá, ganhamos a possibilidade inédita de reflexão sobre a corrida desenfreada pelo crescimento do PIB, sem que este tenha uma direta relação com atenção à família, a fraternidade, a qualidade de vida, a felicidade, o bem-estar animal e de todos os seres vivos, a intensidade da relação para com nossas crianças e idosos, o maior zelo pela moradia, a justiça social, dentre outros nobres valores humanos materializados por nossas animações.

Animações essas derivadas do Latim “anima” que significa alma, ou que de forma mais simbólica se atribui a tradução de “sopro, ar, brisa”, belamente ilustrado em Gênesis: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente”. Que grandiosa imagem a demonstrar que ar e alma se originam de um mesmo arquétipo, e que o mal ou o bem de um reflete no outro.

Rápido como um falcão, Faustino etimologicamente associa que anima remete a animal e, então este é um ser animado por uma força interior, de comportamento previsível. Ou seja, atua obediente ao rígido padrão da espécie. Diferenciada, a raça humana tem a liberdade (potencial) de adotar comportamentos individuais.

E prossegue -; “se dividirmos a alma humana em seus mínimos pedaços, recriamos o reino animal”, citando o poeta Goethe. A genial afirmação revela a multiplicidade da alma humana a nos fazer ricos de possibilidades de animações, de maneira que todo comportamento animal é também um comportamento humano. Quem nunca virou uma onça, disfarçou como um camaleão ou quis hibernar como um urso? Quem nunca se relacionou com um espírito de porco?

Essa pluralidade de manifestações da alma humana é uma dádiva divina e simultaneamente uma grande ameaça, porque se não é dado ao macaco a chance de desmacacar, nem ao tigre destigrar, nem ao urubu desurubar, ao humano é dado desumanizar.

       E quando tudo isso passar, Faustino? Isso tudo é como um dilúvio disfarçado de vírus, ou um vírus disfarçado de dilúvio. É um verdadeiro VIRÚVIO! E aí, meu amigo, só a certeza da indispensável metamorfose de nossas atitudes em prol de um mundo melhor porque, como visto, o sopro de ar infectado adoece até nossa alma. Entre lagartas e borboletas, selvagens e domesticados, gregários e isolados, façamos escolhas: quais animais, todos presentes em nossa fauna interior, levaremos para a nova arca? Novamente não haverá lugar para todos.



Publicado em:
https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/se/artigos/artigo-o-viruvio,b4dc487c14772710VgnVCM1000004c00210aRCRD

terça-feira, 31 de março de 2020

Yes! Nós temos corona



Um vírus chinês, talvez inspirado naqueles de computador, prospera como visitante não-convidado provocando danos bilionários mundo afora.

Igualmente tênue é a fronteira que separa a pessoa física da pessoa jurídica no nosso Brasil. Por certo, em um país que possui o tecido empresarial oficial composto por mais de 99% de micro e pequenas empresas e que seus correspondentes empresários repetem a mesma sofrível formação socioeconômica e escolar do trabalhador médio brasileiro, confirma a precariedade presente em nosso ambiente produtivo.

Com efeito, o reino empresarial brasileiro é uma fotografia da nossa, digamos, injusta ordem social. De fato, as dificuldades que envolvem a gestão de negócios vão desde a nossa incivilizada burocracia ao senso comum que não vê a importância da atividade produtiva na construção de uma nação, passando pelos baixos índices de produtividade.

Facilmente caímos na tentação de usar as lentes acadêmicas para traduzirem uma realidade tão dura e distante dos livros. Assim, choca o bom senso a discussão rasa que presenciamos entre a saúde das pessoas (físicas) e a sobrevivência das empresas, como se houvesse nas paragens de Macunaíma essa clássica separação. O que vemos aqui ainda é a absoluta e indevida mistura das contas e dos atos das pessoas físicas e jurídicas, encarnados em um só.

Grosso modo, nos disse o IBGE em março/19, que menos da metade dos brasileiros corresponde aos 92 milhões da população ocupada. Desta, 33 milhões são os trabalhadores de carteira assinada e 11 milhões os funcionários públicos, que somados representam menos da metade da população ocupada. Então, quem são os demais? Descontados os 6 milhões de trabalhadores domésticos resta-nos 42 milhões de guerreiros produtivos assim divididos:  12 milhões de trabalhadores sem carteira assinada; 25 milhões trabalhando por conta própria; 5 milhões de empregadores. Repito, números aproximados.

Ao recortarmos os números acima, fica claro que metade da nossa população ocupada é formada por empresários, autônomos e empreendedores formais ou não. Quem são esses? Pessoas físicas com certeza, porém todos, sem exceção, protagonistas do palco econômico como pessoa jurídica, formal ou não. Pois, independentemente da formalização praticam atos e fatos típicos das pessoas jurídicas e fazem circular o dinheiro e gerar riqueza. Se para os assalariados os meses são longos, para estes os dias são intermináveis.

Reforça nosso entendimento um vídeo disponível nas redes sociais que, sem fazermos juízo de valor, inspirou o título deste texto. Se trata do conflito entre um vendedor de bananas no centro da cidade com fiscais do município de Aracaju. Na cena os fiscais apreendem as mercadorias e o carrinho do ambulante que reage violentamente agredindo física e verbalmente os agentes municipais. Uma cabal demonstração da fusão entre pessoa física e jurídica, ou seja, quando desequilibra a atividade econômica se desequilibra a pessoa física, logo a saúde. Não distante da nossa realidade há registros de suicídios de empresários por motivações econômicas. Há como separar saúde de economia no Brasil?

Não faz sentido a polarização que presenciamos na política brasileira, alimentada por uma mídia igualmente tendenciosa e apaixonada. Pelo nível dos debates e das publicações correntes, arriscamos perder em inteligência para o mais primitivo vírus. Será que o que é bom para a saúde é ruim para a economia? Será que indicador de saúde é só coronavírus? Será que economia se contrapõe à saúde no seu sentido mais amplo? Será legítimo crescer politicamente pelo caminho da desinformação nesse cenário de calamidade? Será correto auferir privilégios nesse momento? Qual o limite entre o impacto da doença e as mortes provocadas por um caos econômico?

Respostas difíceis, exceto para os egoístas e para os aproveitadores de plantão. Notadamente, se não há verdadeiro isolamento horizontal no País como alguns acreditam, posto que porteiros, caminhoneiros, vigilantes, motoristas, motoboys, policiais, operadores da saúde, padeiros, distribuidores, mecânicos, farmacêuticos, bancários, comerciários, jornalistas, dentre inúmeros outros profissionais, continuam trabalhando invisíveis para muitos, mas gerando conforto e abastecimento para todos.

Senhores políticos e autoridades diversas, já estamos irremediavelmente prejudicados na saúde e na economia – o dano já é efetivo. Assim, é hora de desarmar os espíritos e fazermos uma única frente nacional que responda com assertividade ao desafio imposto. Só haverá saída para o enfrentamento do novo vírus com a união de todos e a participação ativa, honesta e inteligente dos mais diversos setores que compõem o mosaico de nosso grande Brasil.

Paulo do Eirado Dias Filho
Pedagogo, Diretor Superintendente do Sebrae/SE


segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Sergipe, chega de saudade!

Hoje, a bossa nova é criar uma ambiência que estimule a inovação tecnológica.
Por Paulo do Eirado Dias Filho (*)
Essa intencional remessa ao mestre da música João Gilberto (1931-2019) é, além de uma homenagem, um chamado aos que amam nosso estado e que hoje enfrentam uma crise econômica sem precedentes. Com certeza já vivemos tempos melhores, todavia, a saudade desacompanhada da coragem não nos levará à superação. Chega de saudade!
Sergipe, menor estado da federação brasileira em área territorial, torna-se um gigante com a simples mudança de modelo mental dos seus filhos. Agraciado pela geografia entre as maiores capitais e regiões metropolitanas do Nordeste, torna-se o melhor ponto logístico da região e um dos melhores do País, como veremos.
O modelo mental ou paradigma citado decorre do fato de que Sergipe, pelas diminutas distâncias físicas, induz o seu habitante a relacionar o território político do estado com a área de atuação mercadológica, implicando em enxergar um mercado composto por pouco mais de dois milhões de habitantes.
Contudo, sabemos que inúmeros moradores de estados vizinhos, cujos municípios estão mais próximos de Aracaju que das suas respectivas capitais, recorrem naturalmente aos nossos serviços públicos, especialmente à Saúde, sobrecarregando as estruturas locais. Ora, isso denota a área de influência da nossa Aracaju sobre estados vizinhos.
Se espontaneamente tais populações estão sob nossa referência geográfica, o inverso também é verdadeiro. Nós devemos vê-los sob nosso alcance mercadológico, inclusive pelas pequenas empresas.
Um compasso e um mapa do Nordeste são o bastante para demonstrar a potência do mercado no nosso entorno. Se traçarmos uma circunferência com raio de 500 Km na escala desse mapa, veremos uma curva limitada ao norte próximo a João Pessoa (PB), ao sul próxima a Ilhéus (BA), abraçando as maiores cidades do interior, a exemplo de Caruaru (PE), Feira de Santana (BA), Petrolina (PE), Juazeiro (BA), Arapiraca (AL), Campina Grande (PB) e inúmeros outros importantes polos regionais, além de quatro capitais vizinhas. Esse círculo encerra o quantitativo de 30 milhões de consumidores. Ou seja, o equivalente a 15 “Sergipes” em distância simplesmente rodoviária.
Esse redimensionamento sergipano ou reterritorialização é uma demonstração das oportunidades que temos, e por vezes desconhecemos. Aqui, portanto, fica o convite ao nosso empreendedor de ousar estratégias para ocupar esse mercado gigante a partir de Aracaju: a melhor posição logística do Nordeste.

Por oportuno, a recente conclusão do asfaltamento da BR 235 entre Carira (SE) e Juazeiro (BA) faz de Aracaju a capital mais próxima da RIDE – Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento - Petrolina/Juazeiro, com estimados 769.544 habitantes (IBGE, 2018). Apenas 460 km de bom asfalto nos separam da maior RIDE do interior do Nordeste, com população superior à da nossa capital.
Facilidade de acesso, menor distância e pouco tráfego nesse roteiro são fatores para ampliar o intercâmbio e ofertar nossas praias, gastronomia, cultura, artes, escolas, universidades, além da nossa amável hospitalidade para esses baianos/pernambucanos que também muito nos oferecem com suas vinícolas, culinária, aliado ao exemplar empreendedorismo rural, industrial e comercial que lá fez uma metamorfose econômica milagrosa em pleno semiárido. É hora de ampliar os laços turísticos, comerciais, científicos, tecnológicos e logísticos, além dos serviços de saúde e educação, com os novos vizinhos por meio desse canal de tráfego.
Reafirmando a genialidade de João Gilberto, filho de Juazeiro (BA) e ex-aluno do Colégio Jackson de Figueiredo em Aracaju, onde estudou por quatro anos, já visionando o eixo Jua-Aju, ora proposto. 
Igualmente, intuímos que o ícone da música mundial inspire nossa Educação para que os jovens se tornem mais criativos, inovadores e realizadores, capazes de aproveitar o momento atual abundante de ferramentas tecnológicas baratas e acessíveis aos que tenham escolaridade, ideias e espírito empreendedor, para também terem muito sucesso.
Hoje, a bossa nova é criar uma ambiência que estimule a inovação tecnológica para levar Sergipe a adentrar numa nova e poderosa economia, como propõe o movimento Inova Mais Sergipe, liderado pela Fecomércio-SE. Ainda no milênio passado, a Economia do Conhecimento já representava a maior parcela do PIB mundial. Atualmente, superior está essa proporção, especialmente se associada à Economia Criativa.
Assim, softwares, patentes, marcas, design, cultura, música, games, dentre outros intangíveis, são produtos derivados de intensivo capital humano, porém disponíveis em plataformas tecnológicas comuns e de fácil acesso. A criatividade associada à escolaridade e ao domínio das ferramentas digitais é o segredo do sucesso nesse nicho econômico, quando focado na solução de um problema comum. Dessa forma, Uber, Waze, Youtube, internet banking, WhatsApp e outros imprescindíveis aplicativos são soluções universais de imediato adotadas pela sociedade. E isso é só o começo.
Vai minha alegria e diz a eles que incentivar o turismo, desburocratizar, fomentar a instalação de pequenos negócios, ofertar acesso às compras governamentais para as microempresas e a inovação tecnológica são as novas carrancas que afastarão a tristeza e a melancolia que tentam, sem sucesso, colar no coração do empresário sergipano, pois há menos peixinhos a nadar no mar do que a coragem do nosso povo de vencer.
 * Diretor Superintendente do Sebrae em Sergipe e pedagogo

domingo, 21 de julho de 2019

Entrevista: Educação Empreendedora nas Escolas

Entrevista: Educação Empreendedora nas Escolas

Desde 2013, o Sebrae vem trabalhando com o Programa Nacional de Educação Empreendedora, em parceria com escolas públicas e privadas. O projeto visa estimular a criatividade, o pensamento crítico e o protagonismo juvenil. Em Sergipe, teve início em 2015, e de lá até 2018, cerca de 22 mil estudantes já foram atendidos e 1.150 professores capacitados em sua metodologia. Nesta entrevista ao Caderno de Educação, o superintendente do Sebrae/SE, Paulo do Eirado Dias Filho, conta como a Educação Empreendedora pode incentivar o protagonismo dos alunos.

Caderno de Educação – Por que investir em educação empreendedora nas instituições de ensino?
Paulo do Eirado - Quando falamos em educação empreendedora, a primeira coisa que a gente deve pensar é que esse empreendedorismo vem no sentido de trazer um projeto de vida, de trazer emancipação, de trazer alternativas para o futuro desses alunos que estão frequentando, hoje, o ensino fundamental, o ensino médio, ou até mesmo o ensino superior. A gente vive num mundo com muitas mudanças e a questão comportamental é onde está havendo, talvez, a maior crise. De um modo geral, vivemos numa época meio que “obcecada” pelo conhecimento. Todo mundo acha que conhecimento é tudo. Mas, conhecer não é tudo. A gente precisa ter também o lado atitudinal, que está muito ligado ao nosso emocional. O lado da ação, da força de vontade, de fazer as coisas acontecerem, não ficar só no mundo das ideias. Tudo isso deve fazer parte de um projeto de educação que seja, de fato, um projeto sério, um projeto comprometido com o que vai acontecer no futuro daquela pessoa.

CE – Qual a diferença de trabalhar o empreendedorismo nas escolas, do trabalho do SEBRAE com micro e pequenos empresários?
Paulo do Eirado - Quando trabalhamos empreendedorismo na educação, a gente trabalha muito focado na questão comportamental, principalmente para um futuro onde haverá profissões que a gente não prevê hoje. E como a gente prepara uma pessoa para um futuro em que não se faz a menor ideia do que possa acontecer? É exatamente através do desenvolvimento de habilidades que possam dar equilíbrio emocional, dar uma visão de mundo, incentivar a criatividade pra que a pessoa se torne inovadora, para que se torne capaz de se adaptar a esse mundo novo. A outra vertente, quando falamos em empreendedorismo objetivamente refere-se a questão da atividade econômica. O Sebrae tem uma grande responsabilidade com relação aso ambiente de negócios, que é preparar as empresas, os empreendedores que estão já com seus negócios em andamento. Esperamos que eles tenham mais condição de acompanhar as mudanças de mercado, a concorrência, as questões tributárias...enfim, todo esse universo de desafios que estão presentes no dia a dia das empresas.

CE – Como funciona o projeto de Educação Empreendedora nas Escolas?
Paulo do Eirado – O Sebrae trabalha a educação empreendedora junto à rede pública, junto com as escolas particulares também, no sentido comportamental. Nesses lugares, a gente não está numa escola técnica de empreendedores, de formar empresários, mas sim de formar pessoas que precisam ter um projeto de vida, de pessoas que precisam desenvolver uma visão de longo prazo, para fazer suas escolhas. Nós damos ferramentas e treinamento aos professores e encorajamos os alunos, por exemplo, a conviverem e calcularem riscos, para evitar aqueles riscos que sejam maiores que a própria perna. Tudo isso, dentro de um projeto educacional bem feito, que vai enriquecer o próprio currículo da escola.

CE – Qual a vantagem de a escola abraçar um projeto como a Educação Empreendedora em sua grade curricular?
Paulo do Eirado – Existe um relatório da Unesco, o Delors, que já previa a educação empreendedora, não com esse nome, mas quando propôs os quatro pilares para a educação nesse novo milênio. Dentre esses quatro pilares, um a escola já pratica com destreza, que é um lado mais cognitivo, o “Aprender a Conhecer”. O segundo pilar, que é o “Aprender a Conviver”, acontece de forma relativamente espontânea, entre os grupos de alunos, as “tribos”, como eles mesmos se referem, que vão se organizando por afinidade. A escola não interfere muito nisso, mas observa. E o terceiro pilar, importantíssimo, é o “Aprender a Fazer”. Em geral, esse pilar ainda está muito distante da escola. É difícil colocar centenas de alunos pra fazer coisas dentro da escola, né? Que tamanho de produção é essa? Que equipamentos, espaços e materiais seriam necessários? Tudo isso é custo. A Unesco diz que esses três pilares, juntos, vão construir um quarto pilar, que seria o “Aprender a Ser”. Bom, se nós trabalharmos esses três pilares, a gente realmente consegue fazer uma educação de extrema qualidade. Quando levamos o projeto empreendedorismo para a educação, que de fato seja integrado com as propostas da escola, com seus conteúdos curriculares, estamos levando, dentre outros, o aprender a fazer, que é exatamente praticar alguma coisa empreendedora, como um projeto, onde ele é protagonista.

CE – Num país, como o nosso, que ainda está em crise, educar para empreender é a solução?
Paulo do Eirado – É uma das soluções, na medida em que isso venha a enriquecer a Educação. A gente tem que ter cuidado para que esse empreendedorismo não seja uma válvula de escape. Ah! Já que não existe emprego, então, vamos transformar ele em empreendedor? Não é assim. Até porque, de um modo geral, são poucas pessoas que, de fato, são empreendedores, que tem essa vocação. A maior parcela das pessoas não busca conviver com o risco permanentemente ou lida bem com as incertezas. A gente tem que respeitar as pessoas como são. Imagine uma sociedade em que todo mundo é empreendedor? Seria uma sociedade de todos contra todos. Quem vai ser líder de quem? Já começava daí a briga, né? (risos). Então, a gente tem que entender e respeitar a natureza humana, respeitar o aluno.

CE – Quais o próximos passos do Sebrae em relação a educação empreendedora?
Paulo do Eirado – O Sebrae vai aperfeiçoando o seu material pedagógico, a sua maneira de abordar as escolas. A grande prioridade é o professor – fazer ele entender que quando vai usar essas ferramentas tecnológicas, ele tem que ir com o papel de mediador, de orientador, de visão crítica para essas tecnologias. A criança ou adolescente, quando entra em contato com essas tecnologias, ele vai de cabeça, não tem realmente filtros e tem limitações pra ter uma visão mais crítica. Esses alunos chegaram nativos digitais. Eles têm um “chip” a mais, então, realmente, a intimidade deles com essas ferramentas é diferente de gerações anteriores. E o professor não deve jamais se cobrar de ter um desempenho no uso dessas ferramentas melhor que seus alunos. Acaba com isso, vamos esquecer. Eu pergunto aos professores, será que o técnico de futebol joga melhor do que o jogador? Da mesma forma o professor, na mediação dessas ferramentas. Ele vai ser aquele técnico, aquele orientador, aquele que organiza o seu time e que o leva a vitória: uso construtivo da tecnologia. Porque do mesmo jeito que ela tem um potencial positivo muito grande, também tem um potencial destrutivo muito grande. Cabe à escola não ser absolutamente encantada com o uso dessas ferramentas, pois uma boa aula não depende somente de tecnologia, depende principalmente da motivação do professor, da relação dele com os alunos. Eu acho que é isso que a gente tem de repensar, de como abordar, de como chegar no aluno, de como ser um adulto de referência pra eles.

Publicado no Caderno de Educação do Jornal da Cidade em 17 de julho de 2019, pág. 8