segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Palmadas educativas

 

Tenho evitado escrever neste espaço sobre assuntos que estão muito presentes no cotidiano, uma vez que a mídia está abordando espaçosamente esta notícia por jornalistas e articulistas, certamente muito qualificados. Porém, por ser a “palmada educativa” que pais aplicam em seus filhos uma temática atinente a educação, entendo que devo contribuir com o debate por meio desta reflexão de natureza muito pessoal.


O tema está em evidência na mídia em decorrência do envio de Projeto de Lei que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Numa leitura mais cuidadosa percebe-se que sua interpretação abrange a proibição da chamada “palmada educativa” dada pelos pais em seus filhos menores. Entendo que tal lei, embora de teor válido, extrapola a realidade sociopolítica brasileira invadindo a instituição família e por focar assunto de natureza secundária ante a saúde pública, a educação escolar formal, a segurança pública – inclusive de crianças em salas de aula vitimadas por balas perdidas, o direito a privacidade, a moradia, dentre outros inúmeros problemas nacionais, infelizmente tradicionais.


Não seremos país de primeiro mundo por termos belas leis, mas sim por conta de nossos costumes e realidade local. Vários autores definem que possuir leis distantes dos costumes é uma característica dos países subdesenvolvidos. Consequentemente, enquanto nossas leis forem desencontradas de nossas práticas estaremos irremediavelmente no terceiro mundo.


Como educador, penso ser muito mais desastrosa a educação sem a imposição de limites do que com alguns exageros destes. Explico melhor: não defendo em nenhuma hipótese a prática de castigos físicos ou psicológicos como medida educativa, mas o outro lado da moeda tem feito estrago maior na educação dos filhos. Existe a indispensável autoridade amorosa dos educadores que deve conduzir as crianças para a formação de bons hábitos e virtudes, impregnando o futuro adulto com valores fundamentais para a cidadania e o respeito à sociedade.


A educação sempre deve incomodar um pouco o aprendiz, visto que este deve sair do patamar atual para outro mais elevado e isto sempre exigirá esforço. Sob a ótica de Piaget, o processo de aprendizagem decorre do provimento de cômodos para a assimilação dos novos conteúdos até que estes cômodos se esgotem exigindo a construção de outros superiores adequados a novos níveis de cognição, o que o ilustre pesquisador chamou de acomodação. Assim, a criação de novos cômodos exige um esforço de motivação e investimento pessoal para crescer cognitivamente permitindo um pensar cada vez mais abstrato e complexo.


Na visão globalizante da pedagogia Waldorf, a idade dos 7 aos 14 anos contempla a fase ideal para a criação de hábitos e ritmos saudáveis. Estes mesmos hábitos só são sedimentados com a presença firme de adultos que acompanham, cobram, orientam e persistam para que se consolidem permanentemente. Por exemplo, crianças que são sempre acordadas cedo nessa faixa etária cultivarão o hábito pelo resto da vida, assim como escovar dentes, tomar banhos, ser cortez com o próximo, respeitar o espaço coletivo, gostar de ler, dentre outros bons ou maus costumes que também são implantados nessa época e eternizados com o passar do tempo.


Todos nós adultos sabemos o quanto é trabalhoso acompanhar crianças na construção de valiosas virtudes. Sabemos também que as atribulações da vida nos estressam e que nossos filhos querem toda a nossa atenção gerando grandes conflitos emocionais. É perfeitamente comum que pais percam a calma com seus filhos, isto é, tornem-se intolerantes e impacientes. Mas não se admite que um adulto agrida compulsivamente e covardemente uma criança. Sei que o mais importante para a criança é ver autenticidade no amor dos pais, a segurança que inspiram, é poder dizer com convicção para os amigos que seus pais são verdadeiros com ele, e saber da intensidade dos poucos momentos que passam juntos.


Pessoalmente, levei palmadas educativas na minha infância, em casa, e afirmo que não me lembro de nenhuma delas. Porém, com toda certeza, lembro das broncas que ouvi e dos conselhos que recebi de meus pais. Sou muito grato pela educação que me deram e a eles devo muito do meu caráter.


Me preocupa mais a ausência de bons exemplos da programação da TV, a permissividade, a indiferença dos educadores e pais, a erotização precoce, a utilização livre da internet, a falta de bons exemplos concretos dos adultos ou a agressão moral sem testemunhas, do que a imposição de limites às crianças, como as palmadas educativas. Afinal, como ouvi de um palestrante: “um pai que não diz não ao filho, não ensina o filho a dizer não ao traficante”.


Finalmente, só acredito em educação verdadeira com exemplo vivo e coerência. Então, que o Estado Brasileiro dê seu bom exemplo primeiro.  





Publicado no jornal Cinform 02/08/2010 – Caderno Emprego

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