terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Convergência tecnológica dos pés à cabeça


A convergência tecnológica é uma tendência dominante no inovador e moderno ambiente econômico. Sob a ótica da tecnologia, consiste no encontro de diferentes serviços que compartilham uma mesma infraestrutura. Já sob o olhar econômico, se afirma que a convergência tecnológica é um processo de mudança qualitativa que liga dois ou mais mercados existentes e anteriormente distintos. Certamente, através de exemplos entenderemos com mais clareza esse assunto, como no caso de um dos seus ícones: o telefone celular. Nele encontramos diversos outros dispositivos embutidos, tais como filmadora, máquina fotográfica, agenda eletrônica, cartão de crédito, despertador, rádio, TV, computador com acesso a internet, secretária eletrônica, GPS, walkman e, até lanterna.


Por trás dessa salada tecnológica há uma nova oportunidade comercial em cada descoberta de uso inédito. Seguramente, o autor de uma inovação tecnológica não é capaz de antever todas as utilidades decorrentes de seu invento. Os usuários passam a escrever a história funcional do instrumento para além da sua finalidade original. E aí a coisa não tem mais limites.


Um caso inusitado de convergência tecnológica vem da Nike, tradicional marca de material esportivo, em especial de tênis de corrida e calçados esportivos. Em 2001, após o lançamento do iPod da Apple, executivos da Nike observaram que em todo o mundo pessoas corriam escutando música com seus iPods e viram nisso a oportunidade de combinar música e dados. Daí nasceu a parceria com a Apple que produziu em 2006 o tênis Nike+ (NikePlus). Esse calçado possui um sensor inteligente que se comunica com o iPod ou iPhone, registrando o tempo e a distância da corrida enquanto você ouve música. Caso algum recorde seja batido, é dado um aviso parabenizando e estimulando o corredor a uma nova superação.


Após cada corrida, pode-se transferir as informações para um site comunitário da Nike, onde seus dados são armazenados e analisados para serem transformados em tabelas e gráficos comparativos de seu desempenho histórico, da média mundial e dos grandes corredores do planeta. Este site ainda permite a criação de grupos que se unem fisicamente ou não, para superar desafios coletivos do tipo: “nosso grupo vai correr 1.600 quilômetros este mês”, cabendo aos diversos membros a contribuição individual para a obtenção da meta coletiva.


Bem mais que um serviço criativo ofertado pela Nike, este entrosamento direto com usuários de seus produtos resultou na possibilidade de ver cristalinamente a forma, intensidade, ciclo de vida, perfil do usuário profissional ou amador, dentre outras informações privilegiadas dos consumidores de seus tênis. Em 2009 já eram mais de 2 milhões de pessoas registradas no site Nike+, formando uma rede social colaborativa para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento dos produtos da marca. Esses benefícios se constituem em grande capital estratégico para a empresa.


Desse estratégico encontro do sapato com a música extraímos alguns números grandiosos: em agosto de 2009, mais de 240 milhões de quilômetros haviam sido registrados por mais de 1,3 milhões de corredores que queimaram mais de 14 bilhões de calorias e elevaram a participação da Nike no mercado americano de tênis de corrida de 46% em 2006 para 61% nesta ultima data.


Sem sombra de dúvida, este sistema composto de calçados inteligentes com iPods, amparados por recursos informáticos, é capaz de levar pessoas a tecerem uma rede social. Feliz exemplo de cocriação por meio de uma plataforma de engajamento que abriga milhões de consumidores dispostos a cooperar com a marca.


Este caso apresentado aqui não deve ser visto como um fenômeno de sucesso no mundo dos negócios. Deve sim ser encarado, sobretudo, como uma tendência que cotidianamente enaltece a experiência do consumidor com o produto, na qual, o centro, obviamente, é a pessoa ao invés do produto. Uma nova revolução copérnica se anuncia, agora na relação entre produtores e consumidores. Certamente, estes últimos formarão o centro em torno do qual a indústria orbitará ou se perderá no espaço oco.


Porém, nem tudo são flores na convergência tecnológica. Estes dias fomos surpreendidos com a notícia de que o Vaticano proibiu a confissão dos fiéis por meio do aplicativo ‘Confession’ do iPhone. Analiso o fato com o devido afastamento que requer essa exagerada convergência tecnológica. Se do lado de cá está um confesso pecador, do outro lado penso ser simplesmente inacreditável que o céu tenha caído nessa fútil, mercadológica, transitória e mortal tentação.


Assim, como há casos geniais de convergência tecnológica capazes de nos conectar dos pés à cabeça, há outros que nos parecem sem pé nem cabeça.  


      

Publicado no jornal Cinform 14/02/2011 – Caderno Emprego
            Publicado na revista Tecnologia da Informação & Negócios nº 03/2011
Publicado em 28/01/2015 em http://www.administradores.com.br/artigos/tecnologia/convergencia-tecnologica-dos-pes-a-cabeca/84411/


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