segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Tirando conclusões precipitadas

Diante da divulgação dos selos de eficiência energética do consumo de combustível dos carros nacionais pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia Inmetro -, o Sr. José, decide trocar seu antigo furgão beberrão, capaz de consumir um litro de gasolina a cada seis quilômetros, em média, por um novo modelo bem mais econômico, levando assim, o felizardo Sr. José a rodar oito quilômetros por litro. Uma economia de 33%, em média.
 Bem mais antenada com as questões ambientais, a jovem Joana, consultando a mesma lista do Inmetro, decide trocar seu já econômico sedan, capaz de fazer 20 km/l, por outro que garante fazer inacreditáveis 30 km/l. O que assegura a Joana uma economia da ordem de 50% no consumo médio de gasolina. Considerando que ambos rodam iguais 20 mil quilômetros por ano, responda qual deles mais contribuiu para o meio ambiente a partir de suas decisões?
Certamente, a resposta imediata é que a jovem Joana com a redução de 50% de consumo mais contribuiu com o meio ambiente que o Sr. José. Contudo, essa é uma resposta precipitada e incorreta. Posto que cada qual ao rodar iguais distâncias anuais de 20 mil quilômetros, leva a Joana, que gastava 1000 litros de gasolina, a gastar 666,7 litros com o novo carro, economizando 333,3 litros.
Já, o Sr. José e seu furgão antigo que consumia 3.333,3 litros por ano, agora gasta 2.500 litros com seu novo veículo. Uma economia, portanto de 833,3 litros no mesmo período. Ou seja, ele contribuiu de forma mais eficaz para o meio ambiente que a Joana, a partir da medida adotada.
O exemplo acima foi adaptado a partir do excelente livro “Rápido e devagar, duas formas de pensar” de Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Economia. Ele demonstra que possuímos dois sistemas mentais disponíveis: O Sistema 1, de respostas imediatas, sede de nossos preconceitos e tão cheio de certezas quanto raso – que optou por Joana; e, o Sistema 2 que realiza as operações mais complexas do pensar, capaz de nos apresentar a dúvida e a incerteza como seu próprio domínio natural – que demonstrou matematicamente a resposta, concluindo pela economia do Sr. José.
O uso do Sistema 2 é oneroso. Ele exige concentração e isolamento durante seu funcionamento. Exemplos de ação desse sistema: resolver quanto é 17 x 49 “de cabeça” ou aguardar o tiro de largada numa prova de corrida. Por isso, evitamos recorrer a esse sistema mental que traz desconforto cognitivo. Contudo, é a principal arma do intelecto e, como tal, precisa ser exercitado para não se tornar preguiçoso.
Contrariamente, o Sistema 1 funciona no automático, gerando a maior parte das respostas que precisamos durante nossas rotinas normais ou diante de questões simples, tipo quanto é 2 + 2; ou olhar, naturalmente, para os lados antes de atravessar uma rua; ou ainda ao responder prontamente “quantos animais de cada espécie Moisés levou na arca?”.
A passagem do Sistema 1 para o Sistema 2 ocorre diante de dúvidas ou de situações mais formais, além de estranhamentos. Acontece, por exemplo, quando percebemos que não foi Moisés que levou animais na arca, e sim, Noé. Um momento desse acionamento do Sistema 2 está no conto “O valor de um tesouro escondido”, da tradição oral Sufi, a seguir:
Vivia na China um sacerdote rico e avarento. Amava joias e as colecionava, acrescentando constantemente novas peças ao seu maravilhoso tesouro escondido, que guardava a sete chaves, oculto de olhos que não fossem os seus.
O sacerdote tinha um amigo, que um dia o visitou e manifestou interesse em ver as joias.
- Seria um prazer tirá-las do esconderijo, e assim eu poderia olhá-las também.
A coleção foi trazida, e os dois deleitaram os olhos com o tesouro maravilhoso por longo tempo, perdidos em admiração.
Quando chegou o momento de partir, o convidado disse:
- Obrigado por me dar o tesouro.
- Não me agradeça por uma coisa que você não recebeu – disse o sacerdote. – Como não lhe dei as joias, elas não são suas, absolutamente.
- Como você sabe – respondeu o amigo, - senti tanto prazer admirando os tesouros quanto você. Por isso, não há essa diferença entre nós como você pensa. Só que os gastos e o problema de encontrar, comprar e cuidar das joias são seus.

    Publicado no Jornal Cinform em 18/08/2014 - Caderno Emprego
      Publicado na revista Ti&N, ed. n.20 - out/2014


2 comentários:

  1. Interessante o conteúdo deste artigo,criativo e com diferentes ângulos do pensar e repensar diante do fatos quando tiramos conclusões precipitadas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado. Pois é, a inspiração vem do livro citado, que aprofunda na investigação do funcionamento dos sistemas 1 e 2, como ele denomina. Recomendo a leitura.

      Excluir