segunda-feira, 2 de junho de 2014

Quatro pontos cordiais


 Durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, a ioguina indiana Dadi Janki, hoje com 98 anos, recebeu da ONU o título de Guardiã do Planeta por seu trabalho em prol de mentes mais livres e pacíficas, declarando no seu pronunciamento: “Porque tudo o que acontece neste mundo começa antes no coração das pessoas”.
Enaltecer as coisas do coração (ou cordiais) no mundo dos negócios e da educação soa destoante nesse universo de estética hiperintelectual. Mas, essa reduzida cosmovisão está gerando prejuízos na avaliação de tendências e, consequentemente, na tomada de decisões de grandes executivos e de formuladores de políticas educacionais.
Recentemente, uma famosa cervejaria europeia, desiludida com as avaliações cartesianas resultantes de pesquisas de marketing, que não apontavam as reais causas da queda das vendas, resolveu incumbir um grupo de antropólogos de visitar bares para descobrir a razão do declínio. Após dezenas de horas de vídeos, milhares de fotografias e páginas de anotações nas cadernetas de campo, executivos juntaram-se aos antropólogos para, debruçados sobre os dados brutos, buscarem alguns padrões legíveis de explicação.
Os porquês logo surgiram em meio a subjetividades invisíveis aos padrões de pesquisas comuns. Os brindes “tamanho único”, distribuídos pela Cia., a tensão constante sofrida pelas garçonetes assediadas pelos clientes e, a falta de uma abordagem educativa para donos de bares e seus colaboradores, foram motivações para a perda de espaço comercial da cerveja. Assim, criar “escolas” para treinar garçons e donos de bares no domínio dos produtos, personalizar brindes “sob medida” e pagar táxi para as garçonetes voltarem para casa após expediente noturno, garantiram a retomada do crescimento contínuo das vendas. Fruto do olhar pelo coração.
De forma semelhante, a Lego, tradicional fábrica de brinquedos, contratou equipes de ciências humanas para, por meio da prática da fenomenologia, entender as reais motivações de seus clientes, pais e crianças ao brincarem com seus kits. O resultado dessa abordagem fez a empresa voltar a crescer e sair da crise que se envolveu há cerca de dez anos, quando houve uma perda de conexão dos antigos clientes com os novos produtos da marca, mais frios e simples que os tradicionais. A pesquisa revelou que muitas crianças brincavam com Lego para fugir de seus excessivos compromissos e para desenvolver novas habilidades, contrariamente ao que se imaginava: que lhes faltavam tempo e interesse.
O que é o fenômeno brincar, a experiência das crianças ao brincar e onde a Lego se encaixaria nessas necessidades? A resposta implicou no comprometimento da marca com a criação de significado nos seus produtos e no que eles representam no campo afetivo. Novamente, o coração mostrou o caminho onde a ciência exata vacilou.

Ao formar o vínculo emocional do aluno com o assunto abordado pelo educador, a aprendizagem ocorre com profundidade, seja esse impulso de atração ou de oposição ao tema. É o que demonstra a história a seguir:

Numa escola pública, estava ocorrendo uma situação inusitada:
Uma turma de meninas de 12 anos que usavam batom, todos os dias beijavam o espelho para remover o excesso do batom. O diretor andava bastante aborrecido, porque o zelador tinha um trabalho enorme para limpar o espelho no final do dia! Mas, como sempre, na tarde seguinte, lá estavam as mesmas marcas de batom...
Um dia, o diretor juntou todas as meninas no banheiro e explicou pacientemente que era muito complicado limpar o espelho com todas aquelas marcas que elas faziam. Fez uma palestra de uma hora. No dia seguinte, as marcas de batom no banheiro, reapareceram...
No outro dia, o diretor reuniu novamente todas as meninas junto com o zelador no banheiro e pediu ao zelador para demonstrar a dificuldade do trabalho. O zelador imediatamente pegou um pano, molhou bem molhado no vaso sanitário e passou no espelho. Nunca mais aparecerem marcas no espelho!
     Pelo visto, foi com a razão e o coração que Jung, discípulo de Freud, afirmou: “A ciência não é imune à concepção inconsciente do mundo”.



Publicado no Jornal Cinform em 02/06/2014 - Caderno Emprego
Publicado na revista TI&N nº 18, de jun/2014

2 comentários:

  1. As maiores invenções de sucesso nasceram sem a visualização dos olhos e sim no olhar do coração. Fruto do olhar pelo coração onde a ciência exata não explica. Assim deve ser o Saber Escolar com o sabor da aprendizagem significativa.

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    1. Esse é o "espírito da coisa". Sabemos tudo demais, mas não amamos o que sabemos.

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