terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Redes sociais, um pouco de Brasil




O nosso Brasil, conhecido como o país do futebol, também pode tornar-se conhecido como o país das redes sociais na internet. Nas pesquisas mundiais referentes ao tema, o Brasil se destaca como o país que mais utiliza sites de relacionamento, a exemplo do Orkut, o primeiro do ranking nacional mas que, curiosamente, está fora das listas dos dez mais utilizados no mundo.


Esse uso da internet brasileira (se é que existe internet de algum lugar?) revela qual a visão e compreensão que os brasileiros têm da grande rede: um ambiente de relacionamento pessoal. Certamente, estamos bem diferenciados nesta visão, pois, ao contrário, os Estados Unidos, berço da internet, a utiliza prioritariamente para negócios ou buziness, como chamam por lá. Etnologias à parte, penso que essa diferença de pontos de vista merece uma análise mais cuidadosa a partir da história econômica.


Uma distinção relevante deriva do perfil econômico dos dois países, EUA e Brasil. Hoje, a economia tradicional da indústria americana representa muito pouco no seu PIB. Menos de dez por cento dos trabalhadores estão na indústria, e apenas três por cento estão na agricultura. O grande motor econômico do Tio Sam é a produção de bens intangíveis e imateriais, como o software, as patentes, os games e o entretenimento. Apenas a Califórnia, sede de Hollywood e do Vale do Silício, possui um PIB bem superior a todo o PIB brasileiro.


Essa indústria de bens intangíveis está montada sobre fluxos e redes, e não sobre formas ou estruturas como ocorre na indústria tradicional. Nós brasileiros, ainda estamos muito presos ao modelo da revolução industrial, que é pesada fisicamente e agarrada a estruturas rígidas e hierárquicas. Assim, somos comumente levados a pensar soluções inadequadas para a nova ordem econômica. Exemplo: Se reunirmos no Brasil um grupo de pessoas diversas para discutir a criação de uma escola de idiomas, a conversa logo versará sobre a localização, o número de salas de aulas, quem será o diretor, os equipamentos e computadores necessários, a fachada, o horário de funcionamento, a biblioteca, etc. Para não dizer que alguém até já tem um jardineiro ótimo pra indicar. Tudo isso está predominantemente relacionado a formas e estruturas.


De outra maneira, poderia existir a mesma escola exclusivamente para atuar através de educação a distância via internet, e aí a discussão seria totalmente diferente. Neste caso, a conversa seria focada no método pedagógico, na dinâmica do site, no acompanhamento dos alunos, na formação de turmas flexíveis, no software que suportaria a solução educacional, etc.


É inegável que ambas as hipóteses são escolas de idiomas, que precisam de amparo legal para seu funcionamento, que exigem administração competente e que, embora concorrentes, são propostas originárias de conceitos distintos. Enquanto a primeira se prende ao rígido e ao material, a segunda está amparada por mídias eletrônicas e funciona à base de flexibilidade e imaterialidade. Esse caso ilustra algo sobre o uso da internet como acessório no Brasil frente ao uso econômico dela no EUA.


Neste mês de janeiro, estive em São Paulo, na III Campus Party que é o maior evento mundial de internet. Lá, durante a minha explanação sobre o tema “Lan House: um fenômeno de empreendedorismo”, reforcei mais uma vez o pioneirismo de Sergipe no trabalho de inclusão digital e social para pessoas de menor renda através das lan houses.


O mais interessante da Campus Party é ver a materialização da internet. Os participantes pertencem às mais diversas tribos. Tem a turma dos blogueiros, da robótica, do modding de computadores, do software livre, da inclusão digital, dos games, dos programadores, dos inovadores, dos hackers, e mais um pouco de tudo nos demais. Verdadeiramente me senti entre os demais.


Os números deste evento são fantásticos: banda larga de 10 giga livre para os participantes compartilharem, a maior do mundo em eventos internacionais até agora; 553 atividades, totalizando 700 horas; 6000 participantes inscritos, dos quais 3877 acamparam lá durante uma semana e 3900 levaram seus computadores pessoais; participantes dos 27 Estados brasileiros e de 20 outros países; 90000 visitantes; 40000 metros de cabos de rede, 20000 metros de fibras óticas e 18000 metros de fios elétricos; 1017 jornalistas e blogueiros cadastrados para cobertura; e tudo isso entre 25 e 31 de janeiro num espaço de 45000 metros quadrados. E, o mais importante, porque revela a qualidade do público participante: 34% de download e 66% de upload no uso da conexão.


Refiro-me à qualidade do público participante porque fazer uploads é produção intelectual, é autoria, é disponibilizar conteúdos e assim fazer o que a internet nos propicia de mais rico, que é a possibilidade inédita na história de produzir comunicação de muitos para muitos. Hoje, qualquer jovem talentoso, sem precisar ser rico, pode ser um emissor de TV, ao vivo, a partir da geração de imagens do seu computador pessoal, uma espécie de big brother doméstico. Pode também ser produtor de filmes, de clipes musicais, de programas de rádio ou produtor de textos.


A ferramenta está aí. Precisamos aprender a utilizá-la e produzir conteúdos e soluções inteligentes e construtivas. A receita parece simples, mas prescinde de educação de verdade e em larga escala para que se transforme o Brasil no novo país que ele realmente merece ser.       



           

Publicado no jornal Cinform 08/02/2010 – Caderno Emprego
            Publicado no Jornal do Comércio / SE – Editorial fev/2010

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